quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Iniciação


Iniciação no Candomblé: PROTESTO
Por Brad Pághanni de Oxalá



Dízimo... É o nome que se dá dentro das igrejas cristãs ao dinheiro que se devolve a Deus. Geralmente, os pastores dessas igrejas nos ensinam através de suas bíblias, que, o dízimo deve ser de dez por cento de tudo que você recebe.


Ainda sim, dentro dessas igrejas, temos uma hora especial, onde temos a oportunidade de contribuir com uma quantia em dinheiro para o crescimento da sociedade religiosa. A oferta, ao contrário do dízimo, não tem uma porcentagem definida. Ela pode ser de qualquer valor.


Há pouco tempo, tivemos na mídia um vídeo do Bispo Macedo – Líder da Igreja Universal do Reino de Deus – ensinando a seus pastores que é importante arrancar dinheiro dos fiéis, sem medir esforços. Ele pregou a venda de fé. Isso não é nenhuma invenção. Todo mundo sabe.


Logo, todas as pessoas que não gostam do cristianismo, ou então – da Igreja Universal em si – começaram a se manifestar, chamando o Bispo Macedo de ladrão, safado, mentiroso, entre outros adjetivos. Entre essas pessoas que criticaram o Bispo Macedo, estavam muitos candomblecistas e muitos umbandistas.


Hoje, vi uma moça perguntando sobre o preço da iniciação no candomblé. Logo um rapaz, seu conhecido, respondeu que o preço é muito relativo, mas, completou dizendo que – a iniciação dele custou por volta de oito mil reais. Ele disse: OITO MIL REAIS. Prestem bem a atenção: ele disse que esses oito mil reais incluíam: roupas, tanto as brancas quanto as confeccionadas para o suposto Orixá, salão de festas, decoração do salão e buffet. Para completar a situação, esse mesmo rapaz disse que já viu gente sair do candomblé e ir para umbanda fazer tal Orixá. Ele disse em outras palavras que não concorda com a saída dos adeptos do candomblé para umbanda por motivos financeiros. Ele disse que a pessoa deveria fazer isso por amor a umbanda e nada mais.


Mas, como assim? Motivos financeiros?


O candomblé é uma religião de luxo? O candomblé é uma religião para ricos, onde cada ritual desses sai por milhares de reais? Então, quer dizer que – para ter uma festa descente de iniciação, a pessoa que desejar deve bancar uma faixa de oito mil reais, para ter buffet, roupinha confeccionada... Tchá-Tchá, Fru-Fru...


Só está faltando plumas rosas...


Ta aí! Uma boa idéia! Plumas rosas! Se quiser, pode confeccionar também com penas de pavão, pele de oveha...
Ah! Já sei! Pode confeccionar um trono com pele de onça! Que tal? Rsrsrs...


Uma dica importante: antes da saída do Orixá, você tem que fazer algumas coisas nele: escova marroquina, prancha, brilho labial, fazer as unhas dos pés e das mãos (não esquecer de colocar unha postiça cor-de-rosa com adesivos da Hello Kit).


Outra coisa: Sandália salto número 15! É super importante que o salto da Yiágbá seja Número 15! E não pode ser da Azaléia. Azaléia é uma marca muito comum... Tem que ser uma requintada. Uma marca francesa.


Gente... Pelo amor de Deus né, cara! Isso é uma tremenda palhaçada e falta de respeito com a religião. Usurpar as pessoas com esses valores altíssimos, quando na verdade a iniciação do candomblé não tem nada haver com isso.


Eu decidi fazer essa postagem porque é revoltante ter que saber de uma coisa dessas!


Você que não é iniciado na religião, por favor, não caia nesses contos. Isso é um absurdo. Gastos? Todo mundo tem. Toda religião tem gastos. Toda religião precisa de dinheiro para se manter viva, porque, infelizmente a base de tudo, hoje em dia é o dinheiro. A sociedade tem despesas: contas de luz, água, telefone... Manutenção da casa, entre milhares de coisas.


Todos sabem que os impostos brasileiros são um dos mais altos do mundo! A passagem de ônibus no Rio de Janeiro está no valor de dois reais e trinta e cinco centavos. Na região da Costa Verde, também no Estado do Rio de Janeiro, podemos encontrar a passagem de ônibus no valor de dois reais e cinqüenta centavos.


Existem pessoas que precisam pegar várias conduções para chegar ao terreiro. Existem pessoas que moram longe... Existem pessoas com filho pra cuidar, casa pra cuidar... Comida, roupa, escola, despesas em geral... Tudo é dinheiro. Sem dinheiro a pessoa não vive.

Me vem cada uma... Oito mil reais para ser iniciado na religião chamada candomblé? Vai pra “puxa que pariu!”

A VERDADEIRA INICIAÇÃO DO CANDOMBLÉ

Um escravo sofrido... Um escravo que veio da África. Foi arrancado a força de seu berço. Perdeu a sua dignidade. Perdeu o seu respeito. Perdeu os seus direitos... Perdeu sua família. Viu ente queridos no tronco, sendo chicoteados até a morte. Viu capitães do mato, matando seus filhos... Seus pais. Viu as pessoas que mais amavam – serem vendidas como se fossem mercadorias qualquer... Como se fossem papel higiênico... Um escravo sofrido, que, junto com seu povo lutou contra a repressão. Lutou contra a intolerância, e lutou para manter a sua tradição viva.


Não apenas um escravo. Milhares de escravos. Milhares...


Esses escravos lutaram, deram as suas vidas em nome da fé dos Orixás. Esses escravos se sacrificaram, e mesmo que, os brancos tivessem outros interesses com a Inglaterra, os escravos conseguiram somente em 1888 a sua liberdade. Eles ficaram quase trezentos anos sofrendo... Derramando sangue. E mesmo assim, nesses últimos cento e vinte e dois anos (1888/2010); a religião que os escravos deixaram ainda é perseguida por pessoas malucas... Burras e com visão fechada. O candomblé até hoje sofre repressão, e ainda existem pessoas que querem fazer candomblé de luxo? Me desculpe, mas “vai tomar no...”


Eu fui iniciado pela educação. Eu disse e vou repetir: EU FUI INICIADO PELA EDUCAÇÃO. Mãe Nilza de Xangô me passou ensinamentos... Me ensinou a ser honesto na religião e fora da religião. Me ensinou a ter coerência... Compaixão.


Hoje em dia, com essa humildade, sem perceber – escrevi quatro livros e vinte e duas apostilas sobre o candomblé. Ainda sim, eu reconheço que sou leigo. Ainda sim – reconheço que tenho muito que aprender.


É nessa base que fundei em 2005 – a Sociedade Leão Coruja (voltada para estudos afro-religiosos); que se digitalizou para Sociedade Candomblé Moderno. Ainda sim, não me sinto líder... Me sinto irmão.


A verdadeira iniciação está na prática do amor. A verdadeira iniciação está na compreensão de ifá. Está em uma sabedoria individual, a qual não deve ser competida entre pessoas, como sinônimo de poder.


Ifá nos ensina que a maior iniciação dentro de todas e quaisquer religiões, sejam elas dogmáticas e pragmáticas – é o estudo. O estudo, acima de tudo é a maior iniciação.
Já escrevi isso no meu primeiro livro: A maior plenitude sacra é decorrência de uma sabedoria a par.


A religiosidade é uma coisa interna. É uma coisa interior. Não se pode gerar competitividade para mostrar que Fulano sabe mais do que Ciclano sobre uma determinada religião.


A fé não pode ser vendida. A fé é algo sobrenatural... Matéria alguma é capaz de compreender a fé.


Você pode fazer um trabalho com mil cabritos, quinhentos pombos, setecentas mil velas vermelhas para Exu – que se você não tiver fé, esse trabalho não vai dar certo.


O estudo, a fé, o amor pela religião são os três conceitos básicos para um verdadeiro iniciado na religião.


O pai de santo que passa os seus fundamentos para seus filhos não deve ser considerado como maluco. Muitos pais e mães de santo não gostam de passar seus ensinamentos para seus filhos – porque sentem que ainda existe uma competitividade cultural muito grande. É um querendo saber mais que o outro.


A grande realidade é: quem estuda – sabe! Quem não estuda não sabe. É burro! Pronto. Falei! Coloquei a boca no trombone. Essa é a grande realidade!


Vender fé? Isso não se faz cara! Isso é revoltante!
Orixá não é mercadoria.


O verdadeiro iniciado estuda e passa a entender a religião de um modo unânime. Secundariamente, esse estudo reflete na vida em geral do estudioso. Ele passa a compreender mais, passa a amar mais, ter mais, ser mais feliz, ter mais qualidade de vida...
Isso porque o que ele conseguiu é inalcançável a matéria. Ele conseguiu essa felicidade toda através da compreensão do abstrato.


Ele realmente entendeu como colocar em prática todos os atributos divinos que existem.


Ele aprendeu com Exu – que se ele mesmo não se mover, ele não vai arrumar um emprego.


Ele aprendeu com Ogum – que se ele mesmo não colocar a mão na espada e sair para lutar, o seu exército nunca irá ganhar.


Ele aprendeu com Omolú – que a monotonia nunca irá embora se ele não buscar renovação... Inovação. Morrer e nascer novamente, e ter uma nova vida, sem precisar sacrificar fatalmente sua matéria.


Ele aprendeu com Yemanjá – que para ter um filho é preciso ter estrutura. Caso contrário, não existe o sentimento puro de maternidade ou de paternidade. Podemos ver muitos casos onde pessoas despreparadas tem seus filhos, e depois os abandonam em caixas de sapato, lixos e rios...


Ele aprendeu com Oxum – que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.


Ele aprendeu com Ewá – que o sentimento puro... Que a VIRGINDADE DO CORAÇÃO (não é a virgindade da xoxota, ou a pureza antes da menstruação, como muitos pensam) é um grande caminho para conquistas incalculáveis e inarráveis.


Ele aprendeu com Ossaim – que é importante preservar a natureza, porque – boa parte dos artifícios de sobrevivência dos seres humanos – estão nas ervas.


Ele aprendeu como Ode Logum – que cada idade é uma idade, e que não se deve insistir em se tornar jovem ou ficar desesperado com a velhice. Cada idade propõe uma sabedoria individual.


Ele aprendeu com Xangô – a ser justo.


Ele aprendeu com Oxossi que se ele não caçar ele não tem comida na mesa.


Ele aprendeu com Oyá – que sem atitude ele é invisível, mudo, cego e surdo.


Ele aprendeu com Nanan – que se deve amar o que se conquista.


Ele aprendeu com Igbeji a ser criança de vez enquando.


Ele aprendeu com Oba a lutar pelo que se ama.


Ele aprendeu com Oxumare a se amar, sem menoscabar o próximo.
Ele aprendeu com Oxalá a criar, produzir.


Ele aprendeu com Yami Oxorongá a dar fertilidade a suas criações.


O que ele nunca aprendeu com Ifá – é que, por mais que ele busque sabedoria até sua morte – nunca saberá de tudo.
Essa é a verdadeira iniciação.
“Ele” é o verdadeiro iniciado.


5 comentários:

  1. não sou camdombrecista, nem tenho nenhum conhecimento a respeito, exeto algo muito superficial sobre a historia de alguns orixas, mas confeso que fiquei emocionada com o final do seu post, sobre o que é um verdadeiro iniciado... bom seria se todos aprendecem com os orixas.
    eu.. eu ainda tenho muito que aprender...

    Piadas com Fritas - blog / piadas

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  2. Gostei muito de seu blog... Acho um absurdo que uma iniciação de Ifá icofá que dure 3 dias custe por volta de dez mil reais, isso sem cerimonias festas e outras coisas especiais! O conhecimento e a religião tem seu valor mas se alguém procura ajuda como vai obter se o auxilio de uma religião se torna inacessível para muitas pessoas?

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    1. Como alguém que busca auxílio em uma religião pode encontrar ajuda se a mesma é algo inacessível pra muita gente?
      Isso põe em prova a veracidade da religião não pelo "$valor$" do culto que tem sua estima
      e importância mas pela exorbitância para se ter acesso ao mesmo.

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  3. Eu estou maravilhada com tudo aqui. Estou me iniciando agora no candomblé (nagô) e o que já li em seu blog, me fez e está fazendo muita diferença em várias coisas!!! Que meu pai Ògún lhe traga muitas prosperidades, Asè!!!

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  4. Eu li seu post e fiquei muito feliz com as palavras....mas quero saber se uma pessoa iniciada pode em algum momento deixar de frequentar o Candomblé. E buscar outro caminho espiritual....

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